Um quarto cujo tecto me ameaça como um par de tesouras abertas. Janelas de águas-furtadas. Estou na cama deitada como cascalho. Todas as conexões se vão partindo. Deixo vagarosamente cada ser que amo, vagarosa, cuidadosa, completamente. Digo-lhes o que lhes devo e o que me devem. Guardo-lhes os últimos olhares e o último orgasmo. A minha casa está vazia, inundada de sol, viva de reflexos, o seu silêncio cheio de implicações, imagens secretas que um qualquer dia me enlouquecerão na altura em que deterei de pé frente às paredes brancas, ouvindo mais do que é possível e vendo mais do que é humanamente tolerável. Deixo-os a todos. Morro num quarto-tesoura despossuída de amores e de pertenças, nem sequer constando do livro de registos do hotel. Neste mesmo instante sei que se ficasse alguns dias neste quarto uma vida completamente nova poderia começar - como a cicatrização da carne depois de uma operação. Mas mais do que o terror da morte é o receio desta vida nova que me mantém acordada. Salto da cama e saio deste quarto que me envolve como uma túnica envenenada, apoderando-se da minha imaginação, corroendo-me a memória de tal modo que em sete tempos terei esquecido quem sou e quem amei.
Era o quarto número 35 onde na manhã seguinte poderia ter acordado louca ou puta.
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